segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Se ajuda que esse mundo é seu!



"De todas as pessoas que eu conheço, eu sou a que mais consome conteúdo de autoajuda".

Costumava dizer isso e achar uma prisão, mas a verdade é que pouco tempo atrás descobri que isso é bom, isso é ótimo, porque isso sou eu, com uma das formas de me perceber, me situar e me direcionar ao próximo passo.

Além de todos os privilégios que um ser humano pode ter ele também sempre terá dores, histórias de culpa, excesso, abandono, cicatrizes. E terá de aprender a lidar com esses registros, de alguma forma. 

Até encontrarmos nossa rede de apoio, a investigação é solitária e depois, mesmo com a presença e o auxilio da rede, a travessia continua sendo individual, pessoal, única, com nossas únicas formas de encontrarmos o espelho das nossas almas.

A autoajuda não precisa trazer aquele peso de "tenho muitos problemas, sou um patinho feio, minha família não me compreende". Por mais que possa ser verdade tudo isso, e muitas vezes é, lembre que até o lindo do patinho feio na verdade era um cisne. O que me ajuda a buscar a bendita autoajuda é justamente o fato de eu não ter esse suporte na maior parte do tempo com pessoas próximas e outra, ninguém mais é responsável pela nossa força emocional além de nós mesmos. É como o bíceps, o quadríceps ou aquele grupo que deixa a pessoa com tanquinho: a gente tem que treinar os próprios músculos, levantar os pesos, transpirar e comer proteína depois. 

Aprender a lidar com a forma do funcionamento do nosso corpo emocional requer cuidado também, procedimento, percepção. O tempo que passou não foi perdido, assim como a pizza comida ou aquela bebedeira que matou o treino da semana. Aprendi com os erros e, se não tiver um santo de uma pessoa próxima para me dar colinho neste momento eu vou buscar algum conteúdo de fora, e ok. Então aos poucos eu desenvolvo apreço por mim, força interior e continuo consumindo autoajuda, porque ela me fez bem antes quando eu me achava a pessoa mais problemática do mundo, ela me faz bem agora que eu estou amando conviver comigo mesma e tenho certeza que ela me fará bem lá na frente, porque eu sempre terei um desafio novo e algo para aprender sobre mim mesma.  

É como o que eu escrevo por aqui: parte de mim ama postar textão, parte de mim se apraz às frases curtas de pseudo ou real impacto. Todas as partes são minhas, são amadas, queridas e tratadas, sejam queloides ou casquinhas que logo sairão da minha pele. Eu faço parte do clã das cicatrizes: procuro, encontro e acesso auxílio e sim, de todas as pessoas que eu conheço, eu sou a que mais consome conteúdo de autoajuda. Ainda bem.


Petisco: Em Você, canção de minha autoria, mesmo. Em breve, por aí.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Tapete de ovos

Que amor é esse que me dá um tapete de ovos?
Que me joga culpa?
Que foge de mim?

Que amor é esse que me pede desculpa,
Que diz que sente tanto,
Mas que não fala para mim?

Que amor é esse que sofre sozinho,
Que me joga de canto
E no calor da briga diz,
Para me atacar,
Que pensava e que ia dizer que estava a me amar!?

O passivo-agressivo é abusivo
O passivo-agressivo é obsessivo
O passivo-agressivo não é compromisso:
O passivo-agressivo também é um vício.


terça-feira, 14 de maio de 2019

Cansando das redes sociais



Sou do tempo em que as fotos eram sem filtro, sem tela para ver como iam ficar, sem câmera frontal e por consequência, sem efeito embelezador.

Naquele tempo a gente registrava momentos que queríamos relembrar depois, então a gente terminava de bater todas as poses do filme, revelava ele e se divertia ou frustrava vendo olhos que ficaram vermelhos ou que saíram fechados, fotos tremidas, manchas, sorrisos e sobriedades.

Aqueles papeis, as fotografias, eram colocados em álbuns e algumas tinham o destaque ao irem parar em algum porta-retrato espalhado pela nossa casa, pela casa da avó.

As fotos agora são objetos para se legendar e divulgar por aí, sem permanência, sem tanta lembrança, sem cultivo de relações ou de memória. Sem vida manifestada, apenas simulada para que se poste e alguém curta ou comente com símbolos de carinhas (uau, que "comunicação" empolgante!)

Hoje pedi para a minha mãe tirar essa foto, do nada, quando saía para o treino. Tive um carinho especial por ela porque vi nesta foto muitas paixões e já logo pensei numa legenda: Quantas paixões cabem numa foto?" Mas aprofundei a reflexão: "É uma foto memorável, cheia de significados para mim! Não pode ficar perdida num mero servidor de rede social. É o símbolo de uma época!"

Então eu refleti mais ainda, sobre o que mudou tanto que nos fez transformar um mesmo objeto, que antes era tão recheado e permanente, em algo totalmente fugaz e sem sentido. A imagem não precisa ter efeito para os outros, ela só precisa ser valiosa para você. Então qual o sentido de se ter um álbum bidimensional público? Uma galeria de momentos seus que você deixa pra trás no momento em que publica e que, no fim das contas, ninguém mais vai dar muita importância?

Desconfio que meus tempos por essas redes estão com os dias contados. Depois de tanto esvaziar a importância dos meus momentos vividos ou sonhados, percebo que a inutilidade desses ambientes está, enfim, sendo revelada.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O Ator Criador, de Reinaldo Maia



Alicerçado em dois principais eixos, sendo eles o autoconhecimento e o enfrentamento da indústria do lazer, Reinaldo Maia reflete sobre a importância das atitudes de um ator no teatro.

Citando diversos exemplos de doutrinas e filosofias, passando por Platão, pelo Tao e fazendo paralelos com a Alquimia, o autor frisa o quanto é necessário que o ator crie à sua volta, utilizando da imaginação.

Criar não apenas no sentido de fazer um novo trabalho, mas de gerar uma sensação nova, principalmente dentro de si, o que fatalmente acabará por atingir o público de maneira menos superficial.

Em "O Ator Criador", Reinaldo defende a riqueza do fator vivência para o fazer teatral, em detrimento da supervalorização da técnica e do teatro comercial que fazem da arte, na opinião dele, um produto, um artigo de prateleira. Neste caso existe inclusive a conceituação que o autor faz do ator que tem o teatro como forma de projeção visual e lucro (artífice) e aquele que faz teatro devido a uma necessidade vital (artífex).

O livro, curto em número de páginas, é demasiado longo para passar a ideia da obra, dando a impressão que Reinaldo Maia pretende incansavelmente (quase que em um apelo) convencer o leitor de seu ponto de vista. Suas análises são muito pertinentes e servem de um grande aprendizado, mas o livro em si gira em torno da repetição de conceitos ao longo de suas páginas, o que é um recurso válido para memorização e assimilação do conteúdo, mas que torna a leitura em si um tanto quanto exigente.

Destaque ao paralelo feito por Maia entre elementos físicos e elementos inerentes a qualquer ator: é necessário construir um templo (sendo este o corpo do ator), é necessário adentrar ao templo (autoconhecimento) e é necessário que se siga um sacerdote (disciplina e métodos de estudo e desenvolvimento do trabalho artístico).

E já que o livro em grande parte é também um compilado de citações, em homenagem a quem o escreveu, destaco: "Processo e resultado não se distinguem, mas são etapas dessa busca da essência do ofício de representar".


quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Giramundo!


Um dia eu ganhei um giramundo, faz quase um ano, e fiquei muito contente. Era um artesanato feito por uma senhora, era lindo e no saquinho vinha logo dois, de diferentes tamanhos... como não gostar? Senti algo muito bom, porque adoro receber presentes com um toque feito pela pessoa que presenteia e por vezes também faço isso para presentear alguém. Mas senti algo mais naquele momento... e guardei essa sensação e essa lembrança comigo.

Um belo dia resolvi "ativar" meus giramundos, ou seja, tirar do saquinho e fui pesquisar o que significava ele, porque pelo o que sentia, eu desconfiava que era algo além de "simplesmente" uma estrela muito bem feita. Enfim.

Descobri coisas incríveis sobre ele, como por exemplo, o fato dele ser uma peça feita por tradição desde o período colonial, quando as mães, que haviam guardado retalhos de roupas das filhas (do vestidinho do batismo e outras datas importantes que marcam etapas de desenvolvimento da mulher - olha o significado disso!), montavam a estrela e presenteavam as filhas no dia do casamento.

Era comum as mães e filhas não se verem mais depois do casamento caso as fazendas fossem distantes e as visitas difíceis de serem realizadas, então a mãe colocava moedas que poderiam um dia ser usadas pela filha para uma emergência financeira. Esse era o segredo delas. Atualmente a confecção da peça é ensinada em escolas, onde se faz uma fenda para servir de cofrinho da garotada. 

Outras mulheres que também faziam giramundos eram as curandeiras que, enquanto teciam e montavam, rezavam pelo doente em questão. Essa costura feita de orações (olha o poder!) era entregue ao doente como amuleto para sua recuperação.

Essa peça linda que pode ser pequena como uma bola de golfe ou grande como uma de basquete também era muito usada para enfeitar casas durante festas, servindo de boas vindas e votos de felicidade para quem estivesse presente. Imagina, uma varanda cheia de giramundos, todos coloridos!

Giramundo, estrela da felicidade, segredo, carambola... são tantos nomes para este objeto lindo! Mas o que mais me chamou à atenção é o fato de que ele nos remonta invariavelmente à ancestralidade, aos mistérios de mulheres que usavam de suas possibilidades e poderes para manter a continuidade e a preservação da vida.  

O mundo gira, os tempos mudam, vidas vêm e vão, mas existe uma magia concretizada nesse objeto e que, independente da época ou de quem o faça, é ainda sentida, captada e percebida por quem o recebe. Bruxaria da melhor qualidade!

Petisco: escute uma música que te faça sentir feliz e sentir a delícia de ser herdeira dessa magia que também é sua!

domingo, 16 de dezembro de 2018

Num dia 16

Uma princesa
Um plebeu
E uma criança que mal nasceu
E se foi

A maldição da ganância
Que bota o amor pra correr
E que volta, quase que ao contrário
Para vê-lo novamente nascer

O menino que se vai antes do tempo
O homem que se retira mais cedo
Antes do Sol raiar

O tempo, que não volta, mas tenta
Em outro momento-lugar
É a fé, a coragem e a vida
Que persiste, insiste:
É essa que veio reinar.

domingo, 3 de junho de 2018

Treze de maio

O papel é um lindo que aceita tudo, inclusive a ideia de que somos livres.

A escravidão de negros, que é a mais próxima da história do Brasil, tinha o caráter físico de dominação, evidente, mas era um pouco mais cruel do que "apenas" físico.

Antes de trazer as pessoas para cá, os dominadores obrigavam os povos a dar sete voltas ao contrário da árvore-mãe de sua tribo, sabendo que isso simbolizava renegar sua força, sua ancestralidade, sua devoção e o cerne de sua existência neste mundo. Cruel.

Cruel e, sobretudo, ineficaz.

Assim como, para além do caráter econômico, em nossa escravidão contemporânea percebemos também o fator psicológico, o social, o cultural, etc..., temos a oportunidade de libertação ao nos ligar com nossa essência, que tudo é.

Seja por meio de um transe ritualístico, de um momento intenso de prazer, do calor de um abraço ou da paz de se atender interna e verdadeiramente, experimentamos a liberdade, ainda que estejamos aprisionados no corpo físico e sujeitos a todos os emaranhados de dominação que existem na matéria. Somos, portanto, verdadeiros escravos de espírito livre.

Parece confuso, mas já que o papel é democrático, a linda da Cecilia Meireles registrou em seus escritos o seguinte: "Liberdade: uma palavra que o sonho humano alimenta. Que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda."

Petisco: Canto das Tres Raças, na voz de Clara Nunes